quinta-feira, 26 de outubro de 2017

#FORMAS DO BARROCO




Mestres como Monteverde, Schuetz e Purcell, certamente de primeira ordem, não deixaram à posteridade aquele grande número de obras-primas que deles se podia esperar. Foram experimentadores geniais que só acertaram ocasionalmente; a massa da sua produção está, para nós, perdida. Dos contemporâneos menores, quase nada sobrevive.

O século XVII não chegou a resolver os dois problemas principais que a reforma monteverdiana lhe legara. A música da época da polifonia vocal possuía rigoroso esquema tonal, herdado da Idade Média, e formas certas da construção arquitetônica. A homofonia e o baixo-contínuo não chegaram a substituí-las. Nem foi possível pôr em ordem esse novo mundo caótico das dissonâncias e dos cromatismos.

O primeiro desses dois problemas, o do sistema tonal, não será resolvido antes do início do século XVIII. Quanto ao problema das formas, começam, já antes, a esboçar-se várias soluções.

A ópera renunciou a uma parte do terreno conquistado: à forte expressão dramática, que ameaçava destruir as bienséances do mundo aristocrático. O compositor limita-se a interromper a ação dramática, convencionalmente elaborada por peças vocais brilhantes, as árias, nas quais reside principalmente o valor musical das obras. É o tipo de ópera de Alessandro Scarlatti e Handel. A ornamentação das linhas melódicas cantadas serve, no início, para salientar o caráter rígido, dir-se-ia monárquico e quase sacro, dessa música teatral. Depois, começa a prevalecer a ornamentação ao gosto do Rococó.

Essa forma de música vocal, a ária ornamentada, também terá forte influência na música instrumental barroca. Mas esta já pertence principalmente à primeira metade do século XVIII, isto é, à época da análise matemática, cujo espírito informa novas formas instrumentais. Deve-se à ópera e aos operistas o aperfeiçoamento da Suíte: ela foi, no tempo de Lully, mera acumulação de danças estilizadas; agora, no tempo de Couperin e Bach, a Suíte parecer-se-á com verdadeiros panoramas de vida contemporânea, refletida em música: a corte de Versalhes e o mundo de pastores de porcelana de Sèvres, a vida devota, submissa e alegre dos burgueses alemães e a dança dos camponeses ao ar livre e os cortejos cerimoniosos que inauguram as sessões do Parlamento inglês.

Também é transplantado para a música instrumental o esquema da ária operística: esta começa com um trecho orquestral (o “Ritornello"); depois, o cantor declama a ária; enfim, o "Ritornello” é repetido. Esse esquema, ABA, dá a planta arquitetônica do Concerto Grosso: A, os tutti, a orquestra; B, a exibição dos solistas; A, novamente os tutti: Mas esse esquema é logo—com espírito matemático—analiticamente desenvolvido, pela distribuição do tema entre várias vozes e pelas suas modificações: são as formas da Fuga e da Variação, que nasceram no órgão. Com elas volta a polifonia para a música instrumental. E não só para a música instrumental.

Pois o emprego dessas formas polifônicas para o canto em coro e a mistura desses coros com árias conforme o esquema ABA, dá os dois gêneros novos da música barroca, para solistas, coro e orquestra: a Cantata e o Oratório.


O caminho de evolução da música barroca está assim indicado: na ópera, a redução ao lirismo homófono; na música instrumental e sacra, a renascença da polifonia abandonada.


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