quarta-feira, 25 de outubro de 2017

BARROCO NA #ALEMANHA, FRANÇA, INGLATERRA





Cavalli esteve em Munique. Cesti esteve em Viena. É o começo da hegemonia musical italiana nos paises ao Norte dos Alpes. Mais importante, foi, porém, no início, a migração de artistas nórdicos para o Sul, para aprender em Veneza a nova arte dos Gabrieli e de Monteverde.

O holandês Jan Pieterzoon Swkelinck (1562-1621), organista da Oude Kerk (Igreja Velha) em Amsterdã, não esteve, provavelmente, na Itália. Mas, apesar de ser austero calvinista nórdico, adotou os processos sonoros de Andrea e Giovanni Gabrieli: a essa qualidade devem alguns dos seus raotetes, Regina coeli, Hodie Christus natus est, a sobrevivência. O quarto centenário do seu nascimento forneceu oportunidade para demonstrar a vitalidade dos seus salmos (1604-1621) e de certas obras o cravo (variações sobre Mein junges Leben hate in End). Discípulo de Andrea Gabrieli, em Veneza, foi Hans Leo H asler (ou Hassler) (1564-1612), depois organista em Nuremberga e Ulm. Seus Salmos de 1607 são elaborados à maneira veneziana; mas o coração do homem pertencia à fé luterana: inventou, com veia de folclorista, as melodias de vários corais, inclusive o comovente "O Ilaupt voll Blut und Wunden” (“O Rosto Cheio de Sangue e Feridas”) que todo mundo conhece da Paixão de São Mateus na qual Bacli o inseriu.

A música instrumental de Giovanni Gabrieli foi desenvolvida por Johann Hermann Schein (1586-1630), que foi em 1616 nomeado para um cargo destinado a grande futuro: Kantor, isto é, diretor de música da igreja de São Tomás em Leipzig. Schein foi um dos primeiros que teve a ideia de reunir, em uma forma de pequeno tamanho, várias danças da época, estilizando-as: Sarabande, Gigue, Gavotte, Bourrée, Minueto, Allemande, Pavane, etc. Uma obra dessas, destinada a ser executada durante um banquete na corte ou no paço 'municipal, chamava-se Suíte. Schein reuniu no Banquetto musicale (1617) muitas suítes, de técnica instrumental bastante avançada e de sabor folclórico; alguns críticos já acreditam reconhecer nele a influência de Monteverde.

Discípulo mesmo de Monteverde foi Heinrich Schuetz ( 1585-1672) (Edição das Obras por Ph. e H. Spitta e A. Schering, 19 vols., 1885-1927; l’h. Spitta, Heinrich Schuetz, Leben u n d Werke, Berlim, 1894; A. Pirro, Heinrich Schuetz, Paris, 1913; A. Einstein, Heinrich Schuetz, Kasscl, 1928; H. J. Moaer, Heinrich Schuetz, sein Leben u n d seine Werke, Kassel, 1936), talvez o maior gênio da música propriamente barroca.

Foi homem grande e forte como um gigante, de vasta cultura erudita e ferrenha fé luterana; não o quebraram as tempestades da época. Tinha estudado Direito e outras ciências antes de fazer a viagem para Veneza onde ainda chegou a ouvir Giovanni Gabrieli. A influência veneziana é evidente nos seus Salmos de Davi (1619), para dois ou mais coros, mas o espirito é outro: é o da devoção alemã. Em 1628 fez, pela segunda vez, a viagem para Veneza, tomando-se discípulo de Monteverde. Sua Daphne, a primeira ópera alemã, está infelizmente perdida. Regente em Dresden, escreveu as três coleções de Symphoniae sacrae (1629, 1647, 1650), superiores a tudo que, em música sacra, nos deram os dois Gabrieli e o próprio Monteverde: pela expressividade dramática da melodia cantada, que no entanto nunca se desvia para o terreno da ópera, sempre guardando a dignidade dos textos bíblicos; e pelo brilho quase mágico do acompanhamento orquestral.

Nem todas aquelas obras são de valor igual. O grande salmo In te. Domine, speravi (1629); a grandiosa lamentação Fili mi, Absalon (1629); a emoção intensa de Saul, warum verfolgst du mich? (Saulo, por que me PerseguesT) (1650); e o sereno Hino de Simeão, Nunc, Domine, dimiltis servurn tuum in Pace (1647): eis os frutos maduros da música sacra veneziana, mas saturadas de devoção luterana, mais pessoal. De inspiração diferente é o Magnificat (1647), de delicioso sabor folclórico alemão, uma antecipação da arte de Bach.

Como a maior obra de Schuetz é considerada, por alguns, a Auferstehungshistorie (História da Ressurreição), (1623), ainda fortemente monteverdiana; declamação dramática, um pouco monótona, do texto evangélico, interrompida por coros de força assombrosa. Outros preferem Die sieben Worte am Kreuz (As Sete Palavras na Cruz, 1645): é melhor realizada a síntese entre o estilo da ópera veneziana e as exigências íntimas da devoção luterana.

Os horrores da Guerra dos Trinta Anos obrigaram o mestre a fugir até a Dinamarca e a levar, depois, uma vida nômade, caminhando de cidade para cidade. Só quando velho voltou para Dresden. Suas últimas obras são, entre 1665 e 1666, a Paixão Segundo São João e a Paixão Segundo São Mateus, obras de estilo deliberadamente arcaico, apesar da dramaticidade dos recitativos e coros; são escritas a capela, sem acompanhamento, como se o velho quisesse expiar pecados e castigos merecidos.

Em tempos melhores, Schuetz talvez não fosse muito inferior a Bach; mas o adjetivo “melhores” não alude só aos horrores de guerra. Schuetz nasceu e viveu numa época de experiências e experimentos. Quando acertou, acertou melhor que Monteverde. Mas a maior parte das suas obras, mais que as ao veneziano, só têm importância histórica. Em sua grandeza há algo de arcaico, de inacessível, como de uma grande raça extinta. Não voltou, com sua Obra total, a fazer parte da música moderna.

Entre os italianos que emigraram para o Norte, o maior papel histórico estava destinado ao florentino Giovanni Battista Lulli, que na França chegou a chamar-se Jean-Baptiste Lully (1632-I687) (Edições das Obras por H. Pn mières, Paris, 1950 e seguintes; I. de la Laurencie, Les créateurs de 1'opéra français. Paris, 1921; E. Borrei, Jean-Baptiste Lully: le Cadre, la Vie, la Personnalité, le Rayonnement, les Oeuvres, Paris, 1949).

Começou sua carreira vertiginosa como bailarino e palhaço. Chegou a obter de Luís XIV um privilégio real que o instituiu, praticamente, como ditador da música na França, relegando pura o ostracismo todos os seus competidores de origem francesa. I.ully não foi, porém, um invasor estrangeiro, ocupando o país. É um caso assombroso de mudança de nacionalidade, lembrando o polonês Korzeniowsky, transformado em romancista inglês Conrad. Pois Lully é mais francês que todos os franceses. Não esqueceu, naturalmente, suas origens italianas. Ainda em tempos muito posteriores escreveu um grandioso Miserere, no estilo de Monteverde. Também empregou os recursos e princípios do grande veneziano para criar a ópera francesa. Mas já são obras tipicamente francesas, só possíveis no ambiente de Luís XIV e da tragédia de Comeille (mais do que da de Racine). É como se a música revelasse a alma barroca dentro do classicismo oficial dessa época na França. Helmut Hatzfeld, em seus trabalhos sobre a substância barroca do grand siècle francês, poderia ter citado a arte de Lully.

As óperas mais admiradas de Lully foram Thésée (1675), Atys ( 1675) e Proserpine ( 1680). Apesar de tudo que querem dizer os musicólogos, não são obras vivas ou que poderiam, um dia, ressurgir para voltar ao repertório. Mas sua importância histórica é grande. Não acreditamos na tese que encontra no recitativo de Lully uma antecipação da arte de Gluck. O que nos interessa, naquelas obras, é o acompanhamento instrumental. Monteverde tinha empregado uma massa imensa de cordas, a "grande guitarra”, acumulação inorgânica de instrumentos. Lully organizou o bloco, mais modesto e mais homogêneo, dos “24 violons du Roi”-, acrescentou um pequeno grupo de instrumentos de sopro; já é a verdadeira orquestra. Empregou-a para fazer executar, antes das óperas, uma sinfonie, isto é, uma abertura: a forma chamada de otiverture française. Composta de uma introdução lentamente majestosa, um movimento rápido e um desfecho lento. Essa forma inventada por Lully será da maior importância na evolução dos gêneros "Abertura” e “Sinfonia". E não foi o único gênero instrumental cultivado por Lully: a forte participação de danças na ópera francesa também o levou a dedicar atenção especial à Suíte, que por ele se tornou, quase, um gênero especialmente francês.

A famosa e notória "ditadura de Lully” fez muitas vítimas. Uma delas, Marc-Antoine Charpentier (1634-1704) (Cl. Crussard, Marc-Antoine Charpentier, Paris, 1945), tornou-se postumamente um nome célebre, embora essa fama só se apoiasse, durante dois séculos e meio, em poucas obras conhecidas, sobretudo o oratório Le Reniement de Saint Pierre. Só em nossos dias chegou-se a estudar os 28 volumes de seus manuscritos, guardados na Biblioteca Nacional de Paris; e onde há obras de música sacra de grande valor, como um Magnificat, um suntuoso Te Deum e a Messe pour VAssomption. Mas esse "Anti-Lully” também escreveu a música para o Malade imaginaire; foi o colaborador musical de Molière. Outra vítima ilustre de Lully foi Michel Richard de Lalande (1657-1726), que teve a sorte de sobreviver por muito tempo ao ditador, terminando seus dias como regente de coro da capela do Castelo de Versalhes. Nessa capela foi em 1944 cantado, pela primeira vez desde 1707, o De Profundis de Lalande, música decorativa e suntuosa (assim como o Benedictus de 1695), com acentos de dramaticidade monteverdiana, mas pouco litúrgica; estilo Luís XIV. Imponente também é o Usquoque Domine (Salmo 13). Músicos e musicólogos franceses estão, nos últimos anos, vivamente empenhados em consertar a injustiça secular cometida contra Charpentier e Lalande.

Um último e retardado efeito do estilo monteverdiano é a ópera de Henry Purcell (1658-1695).(Edição das Obras pela Purccll-Socicty, 28 vols., 1878-1932; H. Dupré, Purcell, Paris, 1927; E. J. Dent, Foundation of English Qpera, Cambridge, 1928; J , A. Westrup, Purcell, Londres, 1937; R. E. Moore, Henry Purcell and the Restoration Theatre, Londres, 1961).

Quando ele nasceu, Monteverde já morrera e Schuetz estava muito velho; quando morreu, Bach, Handel e Domenico Scarlatti eram crianças. Purcell é o maior músico de sua época. Sua morte prematura, com 37 anos de idade, teria sido perda menor para a arte, se Purcell tivesse encontrado em vida as formas musicais de que seu gênio precisava.

O destino condenou-o a experimentador, a precursor. Nas suas 10 trio-sonatas (1683), das quais as mais famosas são a Sonata de Ouro, n.° 9, em já maior e a Sonata n.° 6 em sol menor (Chacony), é Purcell o precursor de Pergolese e de toda a música instrumental do século XVIII; mas não adivinha a sonata-forma. Continua cultivando formas antigas: as 15 Fantasies para 3 a 7 vozes de Zamba, que são aliás, ótima música. Da sua música sacra sobrevive o Te Deum de 1694, que os coros ingleses ainda costumam cantar no Natal, e as quatro odes para o dia de S. Cecília; é música concertante, parecida com a forma da cantata bachiana, antecipando efeitos de Handel, mas sem atingi-los. Caráter experimental também têm as obras dramáticas de Purcell. Não são óperas mas antes música de cena para peças teatrais, como King Arthur (1691); representado por Konrad no Festival de Nymphemburg, em 1921. Ópera verdadeira é Dido and Eneas (1689), que já voltou a aparecer no repertório moderno: obra belíssima, embora mais interessante pelos pormenores do que em conjunto.


Dido and Eneas é pendant musical da “tragédia heróica” da Restauração, dos Dryden e Otway, que foi tentativa menos bem sucedida de síntese do teatro elisabetiano e do classicismo francês. A tentativa de síntese do estilo de Monteverde com as qualidades dramatúrgicas próprias do teatro inglês também deu mistura algo heterogênea, embora cheia de colorido heroico e erótico. Nota-se a forte expressão dramática nos recitativos, o uso do folclore inglês nos coros, a preferência pelos ritmos de dança (influência de Lullyt). Em certos momentos se pensa em Gluck. A ideia de transplantar Virgílio para os campos ao lado do Tâmisa resultou em fusão de elementos classicistas e nacionais, quase uma antecipação do romantismo. Essa solitária obra-prima barroca é provavelmente a maior obra da música inglesa.



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