Os florentinos tinham inventado a ópera para aperfeiçoar
a arte dramática. Em vez disso surgiu um gênero que os franceses e os italianos
costumam, até hoje, chamar de “lírico”. Arte lírica no teatro é uma
contradictio in adjecto, um absurdo. No entanto, é um fato histórico; e de vida
tenacíssima.
O berço dessa nova ópera foi Nápoles ( G. Tintori, L
‘Opera Napoletane, Milão, 1958). Seu criador é Alessandro Scarlatti (1659-1725) (E. Dent, Alessandro Scarlatti. His
Life and Work, Londres, 1905; Cli. van den Borren, Alessandro Scarlatti et
Vesthétique de 1'opéra napolilain, Bruxelas, 1921). Não será injusto chamá-lo
de grande oportunista. Pois sabia escrever e escreveu em vários estilos,
conforme a oportunidade o exigiu. Certa parte das suas numerosas obras de
música sacra está no estilo “antigo”, inclusive motetes a capela e uma Missa
bem palestriniana. Mas toda a beleza lírica das suas óperas também se encontra
em seu Stabat Mater, recentemente revivificado por uma gravação em disco, e nos
seus Oratórios, que são propriamente óperas de enredo bíblico, destinados para
execução durante a Quaresma, quando o uso, nos países católicos, não permitia a
representação de óperas profanas. Há, entre esses Oratórios, obras e trechos
admiráveis. Em Sedecia (1706), a orquestra de Lully está largamente superada,
pelo brilho dos instrumentos de sopro. Em La Vergine addolorata (1717) há
certas árias a propósito das quais já foi lembrado o nome de Bach.
Mas são obras teatrais. Também já são introduzidas
por "sinfonias", isto é, aberturas. O tipo de “abertura italiana”,
devido a Alessandro Scarlatti, é, porém, o contrário da “abertura francesa” de
Lully: em vez de um trecho rápido entre dois trechos lentos, escreve Scarlatti,
um trecho lento entre dois trechos rápidos: é o germe da sinfonia.
Scarlatti escreveu aberturas assim para suas
numerosas óperas, representadas entre 1690 (Rosaura) e 1721 (Griselda); todas
elas famosas durante a vida do compositor; e logo depois esquecidas.
Os compositores do século XVIII não esperavam,
aliás, outro destino das suas obras; escreveram para determinada oportunidade, mas
não para ficar no repertório. No caso de Alessandro Scarlaiti, a posteridade
ratificou aquele julgamento: todas as óperas desse grande mestre foram excluídas
do corpus da música que vive. A própria natureza e construção daquelas obras é
o motivo do esquecimento. Alessandro Scarlatti é o criador da ária
"melodiosa", da ária da qual o ouvinte guarda na memória a melodia, embora
não pudesse cantá-la: as dificuldades do bel canto reservaram isto aos cantores
profissionais. Depois da representação, nada fica senão a recordação daquelas
pièces de rèsistance, das grandes árias de amor ou de desespero, das árias de
lamento ou de ombra (invocação dos mortos); uma dessas árias de Alessandro Scarlatti,
"Cara tomba” (da ópera Mitridate, de 1707), impressionou tanto o grande
Bach que a copiou para seu caderno de notas. E Mitridate realmente é uma
obra-prima, também pela expressão dramática nos recitativos; ressurgiu
vitoriosamente no Festival de Bordéus em 1962. Mas é uma exceção; em geral só sobrevivem
árias isoladas. Uma ou outra ainda pode ser ouvida, hoje em dia, em concerto,
como aria antica. Os libretos não têm
significação dramática; não passam de andaimes de que as vozes dos cantores se
servem para subir ao céu do bel canto. A grande ária é cantada justamente no
momento em que a ação dramática para; ou antes, a ação fica interrompida, para
o cantor recitar a grande ária, que não tem função senão a de agradar aos
ouvidos.
A ópera napolitana é arte essencialmente
não-dramática, lírica. E Alessandro Scarlatti revela o lado mais forte do seu
gênio nas “cantatas de câmara”, pequenas obras líricas, das quais Lontananza crudele
é, até hoje, muito conhecida e Su le
sponde dei Tebro merece sê-lo.
Pois gênio era. Sua importância histórica é de
primeira ordem, inclusive para a solução de um dos mais graves problemas da música
barroca: de maneira assistemática, intuitiva, Scarlatti já se mantém dentro dos
limites das tonalidades modernas e da separação rigorosa entre tom maior e tom
menor. Antecipa os sistemas do Cravo bem Temperado, de Bach, e do Traité
â'harmonie, de Rameau. Mas de sua Obra, assim como da dos seus discípulos, só
sobrevivem os pequenos trechos que os editores italianos editaram e editam como
Arie antiche, para o uso no ensino e no concerto.
Ninguém teria, então, previsto que estava reservado
destino melhor ao uso do mesmo estilo operístico na música sacra e, por outro
lado, na opera buffa ou cômica. Naquela, será introduzido por Durante. Aos dois
gêneros está ligado o nome do seu discípulo, Giovanni Battista Pergolese
(1710-1736) (Edição das Obras p o r F. Caffarelli, 1939 e seguintes. G.
Radiciotti, Giovanni Battista Pergolese, 2.a ed„ Roma, 1931).
A primeira opera buffa foi o Trionfo d‘onore (1718),
de Alessandro Scarlatti. Mas ainda é “cômica” no sentido da Comedia de capa y
espada espanhola. Só a Serva padrona de Pergolese é ópera autenticamente
italiana e vivamente cômica. Mas seu autor foi homem triste.
A lenda tem desfigurado, incrivelmente, a biografia
de Pergolese. Sua morte prematura, com 26 anos de idade, teria sido causada por
veneno. Por quê? Obra de um rival ciumento, porque o jovem maestro, belo como
um anjo, teria sido conquistador terrível. Outros contemporâneos afirmam que
teria sido repulsivamente feio e aleijado. Não é possível esclarecer essas
lendas todas; nem é necessário. Sabemos que Pergolese foi discípulo de Durante no
Conservatorio dei Poveri em Nápoles; que suas primeiras obras tinham pouco
sucesso; que também foi friamente recebida sua opera seria II prigioner superbo
(1733); que o compositor tinha escrito, conforme uso napolitano, umas cenas
cômicas para serem representadas durante os intervalos daquela ‘‘grande"
ópera; e que esse intermezzo teve vivo sucesso: foi La Serva padrona. Depois: que
escreveu para a irmandade dos Cavalieri delia Vergine dc’dolori o Stabat Mater;
que, nesse ano de 1736, já estava gravemente tuberculoso, retirando-se para um
convento em Pozzuoli, onde morreu, logo depois de ter escrito as últimas notas
do seu Salve Regina.
Esse Salve Regina, que foi recentemente gravado em
disco, é música quase fúnebre, de devoção elegíaca, para lazzaroni napolitanos e
suas mulheres e filhos, gente esfarrapada e no entanto feliz em sua fé simples.
Uma grande elegia religiosa, em estilo mediterrâneo, também é o célebre Stabat
Mater. Obra até hoje geralmente conhecida e muito executada. E com razão. Pode
parecer-nos sentimental, de pouca profundidade emocional. Mas é de intensa
inspiração lírica. Certo trecho, o "Quando corpus morietur,fac ut animae
donetur Paradisi gloria”, é de beleza mozartiana. O Stabat de Pergolese deve
sua fama aos músicos e musicólogos alemães do século XVIII, muito sentimentais
e cheios de saudade do Sul mediterrâneo que imaginavam como um paraíso de
beleza e inocência: assim elogiaram a obra os Johann Adam Miller, Wieland,
Reichardt. Mas também houve opinião diferente. Dois conhecedores como Forkel e
Rochlitz deram a preferência ao SLabat Mater (1707) de Emmanuele de A storga
(1680-1757) (H. Volkmann, Emmanuele d'Astorga, 2 vols., Leipzig, 1911-1919), de
maior expressividade dramática e superior arte polifônica. No Stabat de
Pergolese censuraram a "leviandade” melódica de um trecho como
"Inflammatus et accensus”, que lembra irresistivelmente a verve rítmica da
ópera-cômica.
Pois o autor do Stabat napolitano também é, e em
primeira linha, o de La Serva padrona (1733). É uma pequenina obra-prima, com
apenas dois papéis: a criada graciosa e astuta que, com truques inofensivos e
alegres, conquista o amor do seu patrão. E é, pela primeira vez, uma ópera
baseada no folclore musical e nos costumes da Itália viva. Muitos anos depois
da morte de Pergolese, em 1752, uma companhia italiana representou a Serva padrona
em Paris, com imenso sucesso; desde 1754, uma tradução, La Servante maítresse,
ficou incorporada ao repertório francês. Continua no repertório, até hoje. E
tem tido prole numerosíssima: é o modelo de toda a ópera cômica italiana,
francesa e espanhola.
O estilo em que se podiam escrever igualmente música
sacra e ópera cômica, também serviu bem para insuflar algo de “cantabilidade” napolitana
aos instrumentos: as trio-sonatas (1731) de: Pergolese antecipam algumas
qualidades características da música de Haydn.
Pergolese já não é chamado, hoje em dia, de “Mozart
italiano". Mas foi, certamente, um gênio precursor.
De toda a música sacra italiana daquela época só o
Stabat Mater de Pergolese continua vivo, graças à colaboração de várias circunstâncias
casuais. O resto está esquecido assim como a opera seria; e pelo mesmo motivo.
Pois é uma música operística que usa textos sagrados como libretos. O estilo é,
nos dois gêneros, idêntico; a escritura, a interdependência constante de
solistas, coro e orquestra, lembra-nos o estilo pouco edificante da música sacra
do século XIX. Mas esse fato basta para demonstrar a grande importância
histórica do gênero, cuja evolução não merece o desprezo. Também pode haver,
entre aquelas obras, uma ou outra surpresa.
A música sacra italiana do século XVIII já foi, por
alguns historiadores, comparada ao estilo jesuítico na arquitetura; o que é evidente
anacronismo. Mas existe uma relação dessas nas origens.
Giacomo
Carissimi (1605-1674) foi regente do coro do Collegium Germanicum,
dos jesuítas, em Roma. Seus Oratórios, pequenas obras dramáticas sobre textos
bíblicos para serem cantadas sem cenário, enquadram-se entre os instrumentos
propagandísticos da Companhia de Jesus, assim como o teatro escolar dos padres.
Para conseguir o efeito almejado, o compositor usou o estilo musical de maior
aceitação no momento: não propriamente o da ópera monteverdiana, mas, em todo
caso, um estilo homófono e melódico, limitando razoavelmente o uso da polifonia
nos coros. Dos 12 Oratórios de Carissimi, Jephte (1650) é hoje conhecido por
uma gravação em disco. É uma obra agradável, edificante, elevada e vivamente
dramática. Mas não há motivo para falar, como já se fez, em “Handel do século
XVII”.
O uso de executar oratórios durante a Quaresma,
quando era proibida a representação de óperas profanas, tem contribuído para
fomentar a produção de obras desse gênero e para tomá-lo cada vez mais
operístico. Este último adjetivo não tem sentido pejorativo. Afinal, um
Oratório não é executado durante o culto; não é obra litúrgica; e, sendo
semidramática, não precisa renunciar aos efeitos teatrais. Um oratório
grandiosamente dramático é o San Giovanni Battista (1675), de Alessandro
Stradella (c. 1645-1682); o compositor foi personagem romântico, cuja vida— raptou
a amante de um aristocrata e foi assassinado pelos esbirros— tem fornecido o enredo
de uma ópera de Flotow. Stradella foi natureza de precursor: escreveu as
primeiras cantatas de câmara e os primeiros concerti grossi. Um concerto grosso
também serve, algo estranhamente, de abertura ao San Giovanni Battista, obra
impressionante que foi exumada, em anos recentes, e executada na Itália com
notável sucesso. Entre os outros oratórios da época talvez mereça uma
iniciativa, nesse sentido, a Gerusalemme liberata, de Cario Pallavicino
(1630-1688); ou o Davidde (1724), de Francesco Conti (1682-1732), que antecipa
artes corais de Handel.
A posição central entre os compositores sacros da
época pertence a Agostino Steffani (1655-1728), (Obras escolhidas, editadas por
A. Einstein, A. Sandberger e H. Rienm yOenkmaeler der Tonkunst in B ayem, vols.
V I/2 , XI/2 , XII/2); A. Eiiutein, "Agostino Steffani", in
Ktrchenmusikalisches Jahrbuch, XXIII, 1910), embora, a rigor, só uma obra dêle
se enquadre na evolução do gênero: é seu Stabat Mater, de 1724, instrumentado
de tal modo que as vozes dos solistas, o coro e a orquestra de cordas
sucessivamente alternam e se acompanham: é o estilo “concertante”, o estilo
característico de toda a música sacra do século XVIII, inclusive a de Haydn e
Mozart. É uma obra belíssima. Steffani foi nobre prelado veneziano que serviu à
Santa Sé como diplomata na Alemanha, em Munique e depois em Hanôver, onde frequentava
a casa do grande filosofo Leibniz e teve oportunidade de facilitar,
generosamente, os inícios da carreira inglesa de Handel. Mas esse prelado da
época barroca também já é, em horas mais livres, um abbé no sentido do Rococó: escreveu um volume de deliciosos Duetti
di camara, diálogos eróticos musicados, em estilo homófono, naturalmente, mas
aproveitando o acompanhamento para revelar umas finas artes polifônicas. Duetos
como T u m’aspetti, Dir che giovi, Che volete, Occhi perchè, Inquieto mio cor,
Siete il piú bizarro, foram o encanto e têm mesmo todo o encanto dos tempos de
Watteau; ainda no começo do século XIX, o grande romântico E. T. Hoffmann
elogiou efusivamente esses duetos que, já existindo em reedição moderna
(Monumentos da Música na Baviera, vols. VI, XI, XII), esperam ressurreição
gloriosa.
Famosíssimo também foi, durante o século XVIII
inteiro e entre os românticos, o Crucifixus (6 vozes) do veneziano Antonio Lotti
(c. 1667-1740), que começa com um forte grito de horror do coro, "como um
tiro de pistola na igreja”. Mais litúrgico é o Miserere em sol menor, cheio de
cromatismos sombrios. Mas Lotti também escreveu óperas; e uma ária sua, Pur
dicesli, é uma daquelas arie antiche que sobrevivem, indestrutivelmente, no
repertório dos cantores de concerto. O mais sério entre esses compositores é
Antonio Caldara (1670-1736), que foi
vice-regente na corte de Viena. É mesmo um músico notável. Seu Magnificat em ré
maior, com orquestra, existe em cópia da mão de Johann Sebastian Bach; grande
testemunha. Mas não são menos importantes o Te Deum para 2 coros, e uma obra de
complexa estrutura polifônica, o Crucifixus para 16 vozes. De alta categoria
também é o Oratório Morte e sepoltura di Cristo (1724). Caldara, que estêve
esquecido ao ponto de seu nome não figurar em grandes enciclopédias da música,
aparece hoje em dia novamente no programa de festivais de música sacra, em
Salzburgo e Perúsia (Obras escolhidas em: Denkmaeler der Tonkunst in
Oesterreich, vols. XXVI, LXXV).
A sincronização da música sacra com o estilo
operístico de Alessandro Scarlatti é obra de Francesco Durante (1684-1755):
dois Magnificat seus, em si bemol maior e em ré maior, e uma Missa de Réquiem,
de beleza suave e etérea, ainda podem ser ouvidos em concertos alemães (cada
vez mais raramente), e em igrejas de Nápoles. Discípulo seu foi Pergolese. Seu
estilo já é o mesmo da música sacra de Haydn e Mozart.
A vitória desse estilo não foi instantânea; e houve
resistência séria. Em Viena, o regente do coro da catedral de Sankt Stephan, Johann
Joseph Fux (1660-1741), manteve com energia o prestígio da música a capela,
polifônica e contrapontística sobre a qual escreveu famoso tratado, o Gradus ad
Parnassum. Sua Missa Canônica para 4 vozes (1718) é, pela última vez, ura
modelo de estilo palestriniano; admiração excessiva conferiu-lhe o título de ‘‘Palestrina
austríaco”.
Menos exclusivo foi Leonardo Leo (1694-1744). Seus
contemporâneos e os críticos musicais do romantismo festejaram-no por causa das
suas obras a capela, sobretudo um famoso Miserere para 8 vozes. A posteridade
chegou a apreciar justamente o lado oposto das suas atividades: num recente
festival de música sacra em Perúsia foi executado, pela primeira vez desde
1732, o Oratório La morte d’Abele, que reúne estilo polifônico e expressão
dramática, às vezes teatral. Os coros no fim das duas partes da obra, “Oh di superbia
figlia” e "Parla Vestinto Abele", são solenes e comoventes ao mesmo
tempo, com um pouco de sentimentalismo que lembra a proximidade da época
pré-romântica.
O mais conspícuo entre esses retrógrados ou
conservadores é o aristocrata veneziano Benedettò Marcello (1686-1739) (A. d’Angeli,
Benedetto Marcello, vita e opera, Milão, 1940), um dos nomes m ais famosos na
história da música. Num panfleto que fez sensação, Il teatro alia moda (1722),
denunciou a ópera de tipo scarlattiano como mera exibição de vaidades dos
compositores e cantores, sem valor musical e moral, sem apelo aos sentimentos humanos;
Marcello já levanta a pergunta retórica que mais tarde os philosophes franceses
dirigirão aos músicos: “Mitsique, qu‘este e que tu me veux?” E prefere a música
sacra que penetra nas profundidades da alma. Mais tarde, Marcello sofreu um
acidente misterioso (numa igreja veneziana caiu, por acaso, num túmulo aberto)
que o levou a abandonar todas as veleidades artísticas para dedicar o resto da
sua vida a exercícios religiosos. A invasão da música sacra pelo estilo
operístico encheu-o de indignação. A essa arte sacrílega opôs os dois volumes
da sua famosa obra Estro poetico-armonico (1723-1727): são 50 salmos, na parafrase
italiana (um pouco em dialeto vêneto) de Lionardo Giustiniani, postos em música
para 1 a 4 vozes com acompanhamento de violoncelo e baixo-contínuo, alguns a
capela. O estilo é o de declamação justa das palavras; para acertar a “verdade
religiosa” do texto, Marcello tinha assiduamente frequentado a sinagoga de
Veneza, aproveitando melodias do canto sinagogal, o que dá à sua obra um
estranho sabor arcaico; por outro lado, arcaísmos tão artificiais não deixam de
produzir involuntariamente efeitos operísticos.
Essa mistura de religiosidade e ostentação já
lembrou a um crítico os suntuosos altares de estilo jesuítico em igrejas
decaídas e meio arruinadas de Veneza. Alguns desses salmos sempre foram considerados
como obras-primas (sobretudo os n.ºs 1, 22, 25, e outros). Os críticos musicais
da época romântica, como E. T. A. Hoffmann e Thibaut, e ainda Mendelssohn,
sentiram a mais viva admiração pelo Estro poetico-armonico, que se lhes
afigurava música “antiga”; o próprio Verdi falou, depois de ouvi-lo, em "nntica
arte italiana”. Somos, hoje, um pouco mais céticos. Mas é preciso advertir que
os arranjos modernos para solistas e coro, por Frazzi e por Gerelli, não dão ideia
justa do original e de sua religiosidade mais íntima, por assim dizer
camerística.
Conforme tudo isso, Marcello dá impressão de
reacionário. Mas não foi. Foi, em primeira linha, aristocrata e homem do mundo,
talvez cheio de inveja dos sucessos dos músicos profissionais. Competiu com
êles na ópera Arianrta (1728), que teve na época um sucesso de estima; a
representação em Veneza, em 1956, decepcionou.
Talvez seja Marcello pouco mais que um nome famoso?
Ou talvez menos que um nome? Obra de valor permanente é um Concerto para oboé e
orquestra de câmara, em ré menor, famosíssimo durante o século XVIII,
transcrito para cravo pelo próprio Bach e pertencendo até hoje ao repertório
camerístico; Schering e outros musicólogos já atribuíram esse concerto a
Marcello; mas é obra anônima.