Mestres como Monteverde, Schuetz e Purcell,
certamente de primeira ordem, não deixaram à posteridade aquele grande número
de obras-primas que deles se podia esperar. Foram experimentadores geniais que
só acertaram ocasionalmente; a massa da sua produção está, para nós, perdida.
Dos contemporâneos menores, quase nada sobrevive.
O século XVII não chegou a resolver os dois
problemas principais que a reforma monteverdiana lhe legara. A música da época da
polifonia vocal possuía rigoroso esquema tonal, herdado da Idade Média, e
formas certas da construção arquitetônica. A homofonia e o baixo-contínuo não
chegaram a substituí-las. Nem foi possível pôr em ordem esse novo mundo caótico
das dissonâncias e dos cromatismos.
O primeiro desses dois problemas, o do sistema
tonal, não será resolvido antes do início do século XVIII. Quanto ao problema das
formas, começam, já antes, a esboçar-se várias soluções.
A ópera renunciou a uma parte do terreno
conquistado: à forte expressão dramática, que ameaçava destruir as bienséances
do mundo aristocrático. O compositor limita-se a interromper a ação dramática,
convencionalmente elaborada por peças vocais brilhantes, as árias, nas quais
reside principalmente o valor musical das obras. É o tipo de ópera de
Alessandro Scarlatti e Handel. A ornamentação das linhas melódicas cantadas
serve, no início, para salientar o caráter rígido, dir-se-ia monárquico e quase
sacro, dessa música teatral. Depois, começa a prevalecer a ornamentação ao gosto
do Rococó.
Essa forma de música vocal, a ária ornamentada,
também terá forte influência na música instrumental barroca. Mas esta já
pertence principalmente à primeira metade do século XVIII, isto é, à época da
análise matemática, cujo espírito informa novas formas instrumentais. Deve-se à
ópera e aos operistas o aperfeiçoamento da Suíte: ela foi, no tempo de Lully,
mera acumulação de danças estilizadas; agora, no tempo de Couperin e Bach, a
Suíte parecer-se-á com verdadeiros panoramas de vida contemporânea, refletida
em música: a corte de Versalhes e o mundo de pastores de porcelana de Sèvres, a
vida devota, submissa e alegre dos burgueses alemães e a dança dos camponeses
ao ar livre e os cortejos cerimoniosos que inauguram as sessões do Parlamento
inglês.
Também é transplantado para a música instrumental o
esquema da ária operística: esta começa com um trecho orquestral (o
“Ritornello"); depois, o cantor declama a ária; enfim, o "Ritornello”
é repetido. Esse esquema, ABA, dá a planta arquitetônica do Concerto Grosso: A,
os tutti, a orquestra; B, a exibição dos solistas; A, novamente os tutti: Mas
esse esquema é logo—com espírito matemático—analiticamente desenvolvido, pela
distribuição do tema entre várias vozes e pelas suas modificações: são as
formas da Fuga e da Variação, que nasceram no órgão. Com elas volta a polifonia
para a música instrumental. E não só para a música instrumental.
Pois o emprego dessas formas polifônicas para o
canto em coro e a mistura desses coros com árias conforme o esquema ABA, dá os
dois gêneros novos da música barroca, para solistas, coro e orquestra: a
Cantata e o Oratório.
O caminho de evolução da música barroca está assim
indicado: na ópera, a redução ao lirismo homófono; na música instrumental e
sacra, a renascença da polifonia abandonada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário